quarta-feira, 30 de setembro de 2009

terça-feira, 29 de setembro de 2009

Bermuda Larga

muitos lutam por uma causa justa
eu prefiro uma bermuda larga
só quero o que não me encha o saco
luto pelas pedras fora do sapato

Drumundana

e agora maria?

o amor acabou
a filha casou
o filho mudou
teu homem foi pra vida
que tudo cria
a fantasia
que você sonhou
apagou
à luz do dia

e agora maria?
vai com as outras
vai viver
com a hipocondria

Jogos Florais I

Minha terra tem palmeiras
onde canta o tico-tico.
Enquanto isso o sabiá
vive comendo o meu fubá.

Ficou moderno o Brasil
ficou moderno o milagre:
a água já não vira vinho,
vira direto vinagre.

Preto no Branco

De colorida já basta
a vida

domingo, 6 de setembro de 2009

Sem Título

Simplicidade

Tomate previne isso, cebola previne aquilo, chocolate faz bem, chocolate faz mal, um cálice diário de vinho não tem problema, qualquer gole de álcool é nocivo, tome água em abundância...

Diante desta profusão de descobertas, acho mais seguro não mudar de hábitos. Sei direitinho o que faz bem e o que faz mal pra minha saúde. Prazer faz muito bem. Dormir me deixa zero km. Ler um bom livro faz eu me sentir novo em folha. Viajar me deixa tenso antes de embarcar, mas depois eu rejuvenesço uns cinco anos. Viagens aéreas não me incham as pernas, me incham o cérebro, volto cheio de idéias. Brigar me provoca arritmia cardíaca. Ver pessoas tendo acessos de estupidez me embrulha o estômago. Testemunhar gente jogando latinha pela janela do carro me faz perder toda a fé no ser humano.

Essa história de que sexo faz bem pra pele acho que é conversa, mas mal tenho certeza de que não faz, então, pode-se abusar.

Caminhar faz bem, dançar faz bem, ficar em silêncio quando uma discussão está pegando fogo faz muito bem: você exercita o autocontrole e ainda acorda no outro dia sem se sentir arrependido de nada. Acordar de manhã arrependido do que disse ou do que fez ontem à noite é prejudicial à saúde. E passar o resto do dia sem coragem para pedir desculpas, pior ainda.

Não pedir perdão pelas nossas mancadas dá câncer, não há tomate ou mussarela que
previna. Cinema é melhor pra saúde do que pipoca. Beijar é melhor do que fumar.
Exercício é melhor do que cirurgia. Humor é melhor do que rancor. Amigos são melhores do que gente influente. Economia é melhor do que dívida. Pergunta é melhor do que dúvida.

Tomo pouca água, bebo mais que um cálice de vinho por dia, faz dois meses que não piso na academia,mas tenho dormido bem, trabalhado bastante, encontrado meus amigos, ido ao cinema e confiado que tudo isso pode me levar a uma idade avançada.
Sonhar é melhor do que nada...

You Broke My Music

Maria nasceu a cantar. A mãe contava-lhe como na noite em que veio ao mundo toda a maternidade parou ao ouvir o seu choro que parecia um canto. Maria cantava no banho, no carro, na cama para adormecer. Cantava às bonecas dispostas em fila na pequena cama que partilhava com o irmão. E quando ele chegava ao quarto esconso e atirava as bonecas para o chão, por pura maldade fraternal, Maria engolia as lágrimas e soluçava cantigas de embalar a cada uma delas, enquanto ajeitava os vestidos rasgados e as cabeças partidas.

Além das bonecas, o público preferido de Maria era o avô. Ele era o seu maior admirador e nunca se cansava de a ouvir, ao contrário de todos os outros adultos. Ouvia atentamente cada verso, admirava as coreografias e aplaudia sempre no fim. Na véspera de uma visita ao avô, Maria quase nem dormia a pensar na nova canção com que iria surpreendê-lo.

E assim se passou a infância de Maria, que não se pode dizer ter sido feliz, mas à qual nunca faltou banda sonora. Havia uma música para os dias em que o pai entrava em casa embriagado e batia em tudo o que se lhe atravessasse à frente. Havia uma música para quando a mãe prometia não demorar, mas nunca mais vinha. Havia uma música para enganar o estômago quando o jantar não chegava para todos. Não havia desgosto nem dor que lhe tirasse o canto. E quem a visse cantarolando nas ruas, à janela, dentro e fora da escola, pensaria que aquela mulatinha de olhos rasgados e carapinha entrançada era a criatura mais feliz do mundo.

Só que um dia Maria deixou de cantar. Tinha 14 anos. Foi no dia em que o avô morreu. A principio ninguém reparou. Entre o luto e as burocracias que envolvem o último dia de alguém na terra, não havia tempo para notar a falta da música de fundo. Mas os dias passavam e o silêncio pesava e pesava até se tornar insuportável. A casa estava mais triste, a rua inteira estava mais triste e o pior é que ninguém sabia explicar porquê. Maria tornara-se uma adolescente escanzelada, de olhos vazios e lábios selados.

Como a maioria das meninas do bairro, Maria deixou a escola para contribuir para o orçamento familiar. Os dias eram passados na fábrica e as noites a tomar conta dos irmãos, que eram tantos e tão diferentes, fazendo o papel de mãe que não conhecia, porque a sua demorava sempre nas ruas. Quando todos dormiam, subia ao telhado e ficava a olhar para o bar do outro lado da rua, onde cantoras envoltas em plumas e fumo de cigarro eram admiradas por homens e mulheres. À porta estava sempre um homem de fato branco e chapéu de palha, sorriso aberto e olhos de mau caminho. Era elegante no seu jeito gingado, cumprimentava as senhoras casadas com um beija-mão e as solteiras com um segredo ao ouvido. Nunca saía do bar sozinho e, às vezes, elas lutavam como galinhas para serem as eleitas da noite. Quando não estava a exibir-se para as mulheres, fitava as estrelas com o olhar sonhador de miúdo reguila.

Uma noite esse olhar cruzou o de Maria, que cada vez passava mais tempo no telhado e tinha mais vontade de cantar. Ele começou por lhe mandar beijos e olhar para ela enquanto beijava as outras. Depois, nos momentos em que não estava ninguém à porta do bar, ficava a admirá-la como outrora fazia com as estrelas. Mais tarde aproximou-se do telhado e pediu-lhe o nome, depois a mão, depois o corpo. De repente, toda a casa voltou a iluminar-se, as ruas pareciam mais alvas e a fábrica produzia num ritmo dançado. Maria passava os dias a cantar como antes, melhor que antes, e as noites no frio do telhado à espera dos minutos de loucura que faziam esquecer todas as outras horas.

Numa dessas noites de luxúria Maria não conteve os gemidos e, tal como no momento do seu parto, da garganta soltaram-se notas. Os cães pararam de ladrar, persianas foram corridas, luzes acendidas. Ele olhou-a com amor, pela primeira vez depois de tantas vezes, e disse-lhe que o seu nome estava nas estrelas. Aquela não podia mais ser mera música de fundo de um bairro sujo e decrépito. Maria largou então a fábrica e o telhado e começou a cantar no bar do seu homem.

Os anos passaram, disfarçados por pó de arroz e luzes de cena, que disfarçavam os olhos negros do ciúme. Nunca aquele espaço esteve tão lotado como nos anos em que Maria pisava o palco e soltava a voz. As outras cantoras sabiam que estavam a anos luz do seu talento e isso, de alguma forma, fazia com que não sentissem inveja. Inveja por terem perdido o estrelato e sobretudo o homem que antes era de todas. De preferida do dono, Maria depressa se tornou a estrela mais admirada e não havia noite em que o seu camarim não transbordasse de flores, cartas, promessas, que para ela não significavam nada porque tudo o que cantava vinha de dentro, do seu amor. A princípio ele gostava de ser o macho da fêmea mais cobiçada, mas depressa surgiram as dúvidas, as inseguranças, as suspeitas de traição. Aos poucos as noites de prazer tornaram-se noites de mágoa e ressentimento, que nem o profundo amor que sentiam um pelo outro conseguia apagar.

Numa dessas noites de fumo e perdição, ele saiu com uma bailarina, por puro despeito, fazendo questão de passar pela frente do palco para que Maria não os pudesse evitar. Nessa noite ela cantou melhor que nunca, com o coração em pedaços, partido como os discos que ele arremessava contra a parede só por maldade, tal como o seu irmão fazia com as bonecas. Depois da cortina fechar, do público aplaudir de pé, das flores se amontoarem no palco, Maria limpou o camarim, deixou as plumas e o vestido de lantejoulas e saiu andando pela rua. Nunca mais ninguém a viu. Nunca mais Maria cantou.

O Morcego

Meia-noite. Ao meu quarto me recolho.
Meu Deus! E este morcego! E, agora, vede:
Na bruta ardência orgânica dasede,
Morde-me a goela ígneo e escaldante molho.

“Vou mandar levantar outra parede...”
- Digo. Ergo-me a tremer. Fecho o ferrolho
E olho o teto. E vejo-o ainda, igual a um olho,
Circularmente sobre a minha rede!

Pego de um pau. Esforços faço. Chego
A tocá-lo. Minh’alma se concentra.
Que ventre produziu tão feio parto?!

A Consciência Humana é este morcego!
Por mais que a gente faça, à noite ele entra
Imperceptivelmente em nosso quarto!

O Homem; As Viagens

O homem, bicho da Terra tão pequeno
chateia-se na Terra
lugar de muita miséria e pouca diversão,
faz um foguete, uma cápsula, um módulo
toca para a Lua
desce cauteloso na Lua
pisa na Lua
planta bandeirola na Lua
experimenta a Lua
coloniza a Lua
civiliza a Lua
humaniza a Lua.

Lua humanizada: tão igual à Terra.
O homem chateia-se na Lua.
Vamos para Marte — ordena a suas máquinas.
Elas obedecem, o homem desce em Marte
pisa em Marte
experimenta
coloniza
civiliza
humaniza Marte com engenho e arte.

Marte humanizado, que lugar quadrado.
Vamos a outra parte?
Claro — diz o engenho
sofisticado e dócil.
Vamos a Vênus.
O homem põe o pé em Vênus,
vê o visto — é isto?
idem
idem
idem.

O homem funde a cuca se não for a Júpiter
proclamar justiça junto com injustiça
repetir a fossa
repetir o inquieto
repetitório.

Outros planetas restam para outras colônias.
O espaço todo vira Terra-a-terra.
O homem chega ao Sol ou dá uma volta
só para tever?
Não-vê que ele inventa
roupa insiderável de viver no Sol.
Põe o pé e:
mas que chato é o Sol, falso touro
espanhol domado.

Restam outros sistemas fora
do solar a col-
onizar.
Ao acabarem todos
só resta ao homem
(estará equipado?)
a dificílima dangerosíssima viagem
de si a si mesmo:
pôr o pé no chão
do seu coração
experimentar
colonizar
civilizar
humanizar
o homem
descobrindo em suas próprias inexploradas entranhas
a perene, insuspeitada alegria
de con-viver.

Dance, Monkeys, Dance!

Orbiting the sun at about 93 million miles
is a little blue planet
and this planet is run
by a bunch of monkeys.

Now, the monkeys don't think of
themselves as monkeys.
They don't even think of themselves as animals
And they love to list all the things
that they think
separate them from the animals:
Opposable thumbs, self awareness...
They'll use words like
Homo Erectus and Australopithecus.

You say Toe-mate-o,
I say Toe-motto.
They're animals all right.
They're monkeys.
Monkeys with high-speed digital fiber optic technology,
but monkeys nevertheless.

I mean, they're clever.
You've got to give them that.
The Pyramids, skyscrapers, phantom jets,
the Great Wall of China.
That's all some pretty impressive shit...
for a bunch of monkeys.

Monkeys whose brains have evolved
to such an unmanageable size
that it's now pretty much impossible
for them stay happy for any length of time

In fact, they're the only animals
that think they're supposed to be happy.
All of the other animals can just be.

But it's not that simple for the monkeys.

You see, the monkeys are cursed with consciousness
and so the monkeys are afraid.
So the monkeys worry.
The monkeys worry about everything,
but mostly about what all the other monkeys think.
Because the monkeys desperately want to fit in
with the other monkeys.

Which is hard to do,
because a lot of the monkeys seem to hate each other.
This what really separates them from the other animals.
These monkeys hate.
They hate monkeys that are different.
Monkeys from different places,
monkeys who are a different color-

You see, the monkeys feel alone.
All six billion of them.

Some of the monkeys pay another monkey
to listen to their problems.

Because the monkeys want answers
and the monkeys don't want to die.
So the monkeys make up gods
and then they worship them.
Then the monkeys argue
over whose made-up god is better.
Then the monkeys get really pissed off
and this is usually when the monkeys decide
that it's a good time to start killing each other.

So the monkeys wage war.
The monkeys make hydrogen bombs.
The monkeys have got their whole fucking planet
wired up to explode.
The monkeys just can't help it.

Some of the monkeys play to a sold out crowd...
of other monkeys.

The monkeys make trophies
and then they give them to each other.
Like it means something.

Some of the monkeys think
that they have it all worked out.
Some of the monkeys read Nietzsche
The monkeys argue about Nietzsche
without given any consideration to the fact
that Nietzsche
was just another fucking monkey.

The monkeys make plans.
The monkeys fall in love.
The monkeys fuck
and then they make more monkeys.

The monkeys make music
and then the monkeys DANCE
Dance, monkeys, dance.

The monkeys make a hell of a lot of noise.
Exhibit A
Monkey making noise.
And when he's done,
five other randomly selected monkeys
will rate this monkey's noises
on a scale from one to ten.
At the end of the night,
they add all the numbers up
to see which monkey made the best noises.

As you can see...
these are some fucked up monkeys.

These monkeys are at once the ugliest
and most beautiful creatures on the planet.

And the monkeys don't want to be monkeys.
They want to be something else.
But they're not.

Trem de Ferro

Café com pão
Café com pão
Café com pão

Virgem Maria que foi isto maquinista?

Agora sim
Café com pão
Agora sim
Café com pão

Voa, fumaça
Corre, cerca
Ai seu foguista
Bota fogo
Na fornalha
Que eu preciso
Muita força
Muita força
Muita força

Oô..
Foge, bicho
Foge, povo
Passa ponte
Passa poste
Passa pato
Passa boi
Passa boiada
Passa galho
De ingazeira
Debruçada
Que vontade
De cantar!

Oô...
Quando me prendero
No canaviá
Cada pé de cana
Era um oficia
Ôo...
Menina bonita
Do vestido verde
Me dá tua boca
Pra matá minha sede
Ôo...
Vou mimbora voou mimbora
Não gosto daqui
Nasci no sertão
Sou de Ouricuri
Ôo...

Vou depressa
Vou correndo
Vou na toda
Que só levo
Pouca gente
Pouca gente
Pouca gente...

sábado, 5 de setembro de 2009

Os Grandes Boulevards

O Guia do Mochileiro das Galáxias: Capítulo #1

Muito além, nos confins inexplorados da região mais brega da Borda Ocidental desta Galáxia, há um pequeno sol amarelo e esquecido.

Girando em torno deste sol, a uma distância de cerca de 148 milhões de quilômetros, há um planetinha verde-azulado absolutamente insignificante, cujas formas de vida, descendentes de primatas, são tão extraordinariamente primitivas que ainda acham que relógios digitais são uma grande idéia.

Este planeta tem ― ou melhor, tinha ― o seguinte problema: a maioria de seus habitantes estava quase sempre infeliz. Foram sugeridas muitas soluções para esse problema, mas a maior parte delas dizia respeito basicamente à movimentação de pequenos pedaços de papel colorido com números impressos, o que é curioso, já que no geral não eram os tais pedaços de papel colorido que se sentiam infelizes.

E assim o problema continuava sem solução. Muitas pessoas eram más, e a maioria delas era muito infeliz, mesmo as que tinham relógios digitais.

Um número cada vez maior de pessoas acreditava que havia sido um erro terrível da espécie descer das árvores. Algumas diziam que até mesmo subir nas árvores tinha sido uma péssima idéia, e que ninguém jamais deveria ter saído do mar.

E, então, uma quinta-feira, quase dois mil anos depois que um homem foi pregado num pedaço de madeira por ter dito que seria ótimo se as pessoas fossem legais umas com as outras para variar, uma garota, sozinha numa pequena lanchonete em Rickmansworth, de repente compreendeu o que tinha dado errado todo esse tempo e finalmente descobriu como o mundo poderia se tornar um lugar bom e feliz. Desta vez estava tudo certo, ia funcionar, e ninguém teria que ser pregado em coisa nenhuma.

Infelizmente, porém, antes que ela pudesse telefonar para alguém e contar sua descoberta, aconteceu uma catástrofe terrível e idiota, e a idéia perdeu-se para todo o sempre.
Esta não é a história dessa garota.

É a história daquela catástrofe terrível e idiota, e de algumas de suas conseqüências.
É também a história de um livro, chamado O Guia do Mochileiro das Galáxias ― um livro que não é da Terra, jamais foi publicado na Terra e, até o dia em que ocorreu a terrível catástrofe, nenhum terráqueo jamais o tinha visto ou sequer ouvido falar dele.
Apesar disso, é um livro realmente extraordinário.

Na verdade, foi provavelmente o mais extraordinário dos livros publicados pelas grandes editoras de Ursa Menor ― editoras das quais nenhum terráqueo jamais ouvira falar, também.
O livro é não apenas uma obra extraordinária como também um tremendo best-seller ― mais popular que a Enciclopédia Celestial do Lar, mais vendido que Mais Cinqüenta e Três Coisas para se Fazer em Gravidade Zero, e mais polêmico que a colossal trilogia filosófica de Oolonn Colluphid, Onde Deus Errou, Mais Alguns Grandes Erros de Deus e Quem É Esse Tal de Deus Afinal?

Em muitas das civilizações mais tranqüilonas da Borda Oriental da Galáxia, O Guia do Mochileiro das Galáxias já substituiu a grande Enciclopédia Galáctica como repositório-padrão de todo conhecimento e sabedoria, pois ainda que contenha muitas omissões e textos apócrifos, ou pelo menos terrivelmente incorretos, ele é superior à obra mais antiga e mais prosaica em dois aspectos importantes.

Em primeiro lugar, é ligeiramente mais barato; em segundo lugar, traz impressa na capa, em letras garrafais e amigáveis, a frase NÃO ENTRE EM PÂNICO.
Mas a história daquela quinta-feira terrível e idiota, a história de suas extraordinárias conseqüências, a história das interligações inextricáveis entre estas conseqüências e este livro extraordinário ― tudo isso teve um começo muito simples.
Começou com uma casa.

Diga Não às Drogas

Tudo começou quando eu tinha uns 14 anos e um amigo chegou com aquele papo de 'experimenta, depois quando você quiser é só parar...' e eu fui na dele. Primeiro ele me ofereceu coisa leve, disse que era de 'raiz', da terra, que não fazia mal, e me deu um inofensivo disco do Chitãozinho e Xororó e em seguida um do "Leandro e Leonardo". Achei legal, uma coisa bem brasileira; mas a parada foi ficando mais pesada, o consumo cada fez mais freqüente, comecei a chamar todo mundo de 'amigo', e acabei comprando pela primeira vez. Lembro que cheguei na loja e pedi: - Me dá um cd do Zezé de Camargo e Luciano. Era o princípio de tudo! Logo resolvi experimentar algo diferente e ele me ofereceu um cd de Axé. Ele dizia que era para relaxar; sabe, coisa leve... Banda Eva, Cheiro de Amor, Netinho, etc. Com o tempo, meu amigo foi me oferecendo coisas piores: É o Tchan, Companhia do Pagode, Asa de Águia e muito mais. Após o uso continuo eu já não queria saber de coisas leves, eu queria algo mais pesado, mais desafiador, que me fizesse mexer os quadris como eu nunca havia mexido antes, então, meu amigo me deu o que eu queria, um cd do Harmonia do Samba. Minha bunda passou a ser o centro da minha vida, a razão do meu existir. Eu pensava só nessa parte do corpo, respirava por ela, vivia por ela! Mas, depois de muito tempo de consumo, a droga perde o efeito, e você começa a querer cada vez mais, mais, mais...


Comecei a freqüentar o submundo e correr atrás das paradas. Foi a partir daí que começou a minha decadência. Fui ao show e ao encontro dos grupos Karametade e Só Pra Contrariar, e até comprei a Caras que tinha o Rodriguinho na capa. Quando dei por mim, já estava com o cabelo pintado de loiro, minha mão tinha crescido muito em função do pandeiro, meus polegares já não se mexiam Poe eu passar o tempo todo fazendo sinais de positivo. Não deu outra: entrei para o grupo do pagode. Enquanto vários outros viciados cantavam uma música que não dizia nada, eu e mais outros 12 infelizes dançávamos alguns passinhos ensaiados, sorríamos e
fazíamos sinais combinados. Lembro-me de um dia quando entrei nas lojas Americanas e comprei a edição 'Coletânea As melhores do Molejão'. Foi terrível! Eu já não pensava mais!! Meu senso crítico havia sido dissolvido pelas rimas miseráveis e letras pouco arrojadas. Meu cérebro estava travado, não pensava em mais nada. Mas a fase negra ainda estava por vir. Cheguei ao fundo do poço, ao limiar da condição humana, quando comecei a escutar popozudas, bondes, tigrões, motinhas e tapinhas. Comecei a ter delírios, a dizer coisas sem sentido. Quando saía a noite para as festas pedia tapas na cara e fazia gestos obscenos. Fui cercado por outros drogados, usuários das drogas mais estranhas que queriam me mostrar o caminho das pedras...

Minha fraqueza era tanta que estive próximo de sucumbir aos radicais e ser dominado pela droga mais poderosa do mercado: a droga limpa. Hoje estou internado em uma clínica. Meus verdadeiros amigos fizeram a única coisa que poderiam ter feito por mim. Meu tratamento está sendo muito duro: doses cavalares de Rock, MPB, Progressivo e Blues. Mas o médico falou que eu talvez tenha que recorrer ao Jazz, e até mesmo a Mozart e Bach. Queria aproveitar a oportunidade e aconselhar as pessoas a não se entregarem a esse tipo de droga.

Os traficantes só pensam no dinheiro. Eles não se preocupam com a sua saúde, por isso tapam a visão para coisas boas e te oferecem drogas. Se você não reagir vai acabar drogado: alienado. Inculto, manobrável, consumível, descartável, distante; vai perder as referências e definhar mentalmente. Em vez de encher a cabeça com porcaria, pratique esportes e, na dúvida, se não puder distinguir o que é droga ou não, faça o seguinte:

Não ligue a TV no domingo a tarde;
Não escute nada que venha de Goiânia ou do interior de São Paulo;
Não entre em carros com adesivos 'Fui...', 'É veio mais ta pago!', 'Nóis capota mais num breka!', e coisas do gênero;
Se te oferecerem um cd procure saber se o indivíduo foi ao programa da Hebe ou ao Sabadão do Gugu;
Mulheres gritando histericamente é outro indício;
Não compre um cd que tenha mais de 6 pessoas na capa;
Não vá a shows em que os suspeitos façam passos ensaiados;
Não compre nenhum cd em que a capa tenha nuvens ao fundo;
Não compre nenhum cd que tenha vendido mais de um milhão de cópias no Brasil, e
Não escute nada que o autor não consiga uma concordância verbal mínima.

Mas, principalmente, duvide de tudo e de todos.
A vida é bela! Eu sei que você consegue! Diga não as drogas.

Dançarina com um Ramo de Flores

O Agente

A placa dizia “Imobiliária Ajax”, e o agente subiu ao segundo andar. Na sala só havia uma mesa, uma cadeira e um homem sentado nela, imóvel, olhando para o teto.

O agente olhou para ele e disse:
“Sou do Instituto de Estatística e venho fazer o seu questionário.”
“Que questionário?” perguntou o homem que estava na mesa.
“Nome, nacionalidade, estado civil - esses dados todos.”
“Para quê?”
“Para o recenseamento, para sabermos quantos somos, o que somos.”
“O que somos? Isso não”, disse o homem da mesa, com certo pessimismo.
“O recenseamento nos dará a resposta de tudo”, disse o agente.
“Mas eu não quero saber de mais nada”, disse o homem. “O senhor não está vendo”, acrescentou, subitamente aborrecido, “que estou ocupado?”.
“O senhor me desculpe”, disse o agente, “mas sou obrigado a preecher a sua ficha, o senhor também é, de certa forma, obrigado a colaborar. O senhor não leu a proclamação do presidente da República?”
“Não.”
“Foi publicada em todos os jornais. O presidente disse-”
“Isso não interessa”, disse o homem levantando da cadeira abrindo os braços, “por favor”.

Mas o agente, lápis em uma das mãos e formulário na outra, não tomou conhecimento do pedido. “Seu nome?”, inquiriu.
“José Figueiredo. Mas isso não lhe vai adiantar de coisa alguma”, disse o homem, sentando novamente.
O agente, que já tinha escrito “José” no formulário, parou e perguntou:
“Por quê? O senhor não está me dando um nome falso, está?”
“Não, oh! não. Meu nome é José Figueiredo. Sempre foi. Mas se eu morrer amanhã, isso não falsificará o resultado?”
“Esse risco não temos que correr”, respondeu o agente.
“Morrer?”
“Sempre morre alguém durante o processo de recenseamento, porém está tudo previsto. Outros nascem, porém está tudo previsto. Está tudo previsto”, disse o agente.
“Quer dizer que eu posso morrer amanhã sem atrapalhar a vida de ninguém”, perguntou José.
“Pode - ora, o senhor não está com cara de quem vai morrer amanhã; está meio pálido e abatido, de fato, mas o senhor toma umas injeções, que isso passa. Estado civil?”
“O senhor pode guardar um segredo?”, disse José.
“Viúvo?”, disse o agente.
“Um segredo que vai durar pouco?”, continuou José.
“Eu só quero saber o seu estado civil, a sua-”, começou o agente.
“Eu vou me matar amanhã”, cortou José.
“Como? Isso é um absurdo! O senhor está brincando comigo?”
“Olhe bem para mim”, disse José, “estou com cara de quem está brincando com o senhor?”
“Não”, disse o agente.
“Não escrevi nenhuma carta de despedida; ou melhor, escrevi, escrevi várias, mas nenhuma me agradou. Além do mais, não sabia a quem endereçá-las: ao delegado de polícia? - impossível; A Quem Interessar Possa? - muito vago.”
“Que coisa”, murmurou o agente, “o senhor vai se matar mesmo?”
“Vou. Mas o senhor não precisa ficar tão chocado”, desculpou-se José.
“Mas isso é um absurdo”, disse o agente, pela segunda vez naquele dia. “O senhor não gosta de viver?”
“Bem”, disse José botando a mão na face e olhando para o teto, “há certas coisas que eu ainda gostaria de fazer, como beijar uma menina loura que passou por mim na rua ontem, tomar com ela um banho de mar e depois deitar na areia e deixar o sol secar meu corpo. Mas isso deve ser influência do céu”, disse ele olhando para a janela, “que está hoje muito azul”.
“Concito-o a abandonar esse propósito. Prometa-me que não irá cometer esse gesto”, disse o agente. “Eu estou com pressa”, acrescentou imediatamente, quando viu que José balançava a cabeça.
“Já decidi; não posso voltar atrás.”
“Isso é uma loucura. Eu não posso ficar aqui até amanhã, a vida inteira, procurando convencê-lo de sua insensatez. Não posso perder o meu tempo” continuou, agora ainda com mais vigor, “também preciso viver; cada dez minutos do meu tempo corresponde a um questionário; cada questionário corresponde a cento e setenta cruzeiros e cinqüenta centavos”.
“Eu aprecio muito o seu interesse”, disse José.
“De nada, de nada”, disse o agente, olhando para o chão. “Ainda não fiz nada hoje”, acrescentou depois de uma pausa.

José levantou-se e estendeu a mão. Apertaram as mãos em silêncio.
O agente desceu as escadas lentamente. Quando chegou à rua, tirou uma folha de endereços do bolso e, com um lápis, riscou o nome “Imobiliária Ajax”. Olhou então o relógio e apressou o passo.

Faxina na Alma

Não importa onde você parou, em que momento da vida você cansou. Recomeçar é dar uma nova chance a si mesmo, é renovar as esperanças na vida e o mais importante, acreditar em você de novo.

Sofreu muito nesse período? Foi aprendizado.
Chorou muito? Foi limpeza da alma.
Ficou com raiva das pessoas? Foi para perdoá-las um dia.
Sentiu-se só por diversas vezes?
É porque fechaste a porta até para os anjos.
Acreditou que tudo estava perdido?
Era o início da tua melhora.

Pois é... agora é hora de reiniciar, de pensar na luz, de encontrar prazer nas coisas simples de novo.
Um corte de cabelo arrojado, diferente?
Um novo curso, ou aquele velho desejo de aprender: pintar, desenhar, dominar o computador, ou qualquer outra coisa. Olha quanto desafio, quanta coisa nova, nesse mundão de meu Deus te esperando.

Está se sentindo sozinho? Besteira...
Tem tanta gente que você afastou com o seu "período de isolamento".
Tem tanta gente esperando, apenas um sorriso teu, para "chegar" perto de você.

Quando nos trancamos na tristeza, nem nós mesmos nos suportamos, ficamos horríveis, o mal humor vai comendo nosso fígado, até a boca fica amarga.

Recomeçar...

Hoje é um bom dia para começar novos desafios.
Onde você quer chegar? Ir alto, sonhe alto.
Queira o melhor do melhor. Queira coisas boas para a vida.
Pensando assim trazemos para nós, aquilo que desejamos...

Se pensamos pequeno, coisas pequenas teremos.
Já se desejarmos fortemente o melhor e principalmente lutarmos pelo melhor, o melhor vai se instalar na nossa vida.

E é hoje o dia da faxina mental. Joga fora tudo que te prende ao passado, ao mundinho de coisas tristes: fotos, peças de roupa, papel de bala, ingressos de cinema, bilhetes de viagens, e toda aquela tranqueira que guardamos quando nos julgamos apaixonados... Jogue tudo fora.

Mas principalmente, esvazie seu coração, fique pronto para a vida, para um novo amor!
Lembre-se somos apaixonáveis, somos sempre capazes de amar muitas e muitas vezes. Afinal de contas, Deus é o "Amor"...

Porque sou do tamanho daquilo que vejo, e não do tamanho da minha altura.

Aleatório

Outro dia me perguntaram por que eu gostava tanto de ler. Vejamos.

Ler é melhor do que ir ao cinema, viajar ou usar porcarias que tiram o sujeito do sério. Ao ler você produz, dirige e estrela o filme dentro de sua cabeça; viaja sem os inconvenientes da viagem; e penetra em mundos dos quais volta mais humano e mais sábio. Nada expande mais a consciência do que um bom romance ou qualquer livro inteligente.

Pensando bem, ler é a segunda melhor coisa do mundo.
A primeira é escrever.

A que você está pensando é hors-concours.

Fujie

Toshitaro, com cinco anos à minha frente, me levava pela mão direita ao judô. Esquecia a condição de faixa preta e o 3º dan, me dava o lado direito na luta. Dava tudo. Sujeito espetacular, enorme no tatami e fora dele. Aprendi mais com Toshi de que com os três professores que já tive (...).

Agora, íntimos (...). Vinha à minha casa, ia à casa dele. Amigão. Unha e carne (...). Começava a compreender que eu me completava em Toshi. Tudo de meu. Uma chapa sem a opinião dele... Passeio sem Toshi, a mesma coisa. Teatro também, sakê também, judô também. Tudo valendo nada (...).

Se vou à varanda do laboratório de revelação. Cada vez que preciso de alguma coisa. Cada vez que me faltam fósforos. É ela que vem. Que me procura à toa, por banalidades. Chega -se, tira-me o cigarro da boca, acende-o e recoloca-o na minha boca. Numa insolência que dá vontade de bater. E quando olho para aquela janela... São os seus olhos que estão me comendo, pedindo (...).

O diabo é que vivo agitado, as idéias coladas nela, nos braços, nas ancas, não sei. Impossível desguiar. Olhei para aqueles cabelos, dei com o corpo inteiriço. Desejei. Sonhei. Com os olhos de Fujie, sonhei, com a boca, com Fujie inteira [...]. Quando em quando, ninguém nos vendo, leva minhas mãos a seus peitos para sentir o calor. Beijei o seu retrato que eu havia fotografado e chorei que nem moleque! (...).

Lá fora, a chuva fazia festa no telhado. No quarto algumas moscas numa agitação irritante. Eu só sabia que estava fazendo uma canalhice. Ia chover mais, ia chover muito. Era chuva que Deus mandava. Eu fazia um esforço para me agarrar à idéia de que não era culpado. Culpada era a avenida, era a noite, era a chuva era qualquer coisa (...). Chuva lá fora, zoeira de moscas atribuladas. Dentro do quarto, amor.

Eu nunca havia sentido nada pelas coisas do Japão. Levou-me a beber saquê nos restaurantes da Liberdade, mostrou-me cinema. Depois gravuras depois pinturas, tatuagens. Fui atingindo a dimensão mística de todas aquelas belezas. Percebi, por exemplo, que naquelas mulheres passivas e tímidas e afáveis, mexendo-se dentro de quimonos enormes quase aos pulinhos, e que o cinema me trazia entre neve e casas do Japão, morava um mundo diferente de sensualidade. Poesia naquelas coisas.
Gostei. Como quem descobre uma maravilha, gostei. (...) Aquilo, sim, meu Deus era um mundo.

Som na Caixa!

Quando morrer, quero passar a eternidade na Virgin Megastore. Uma loja lotada de discos é a imagem do Paraíso pra mim. Ou melhor, era. Até elas começarem a falir. Adoro música. Sempre gostei. Sou da época em que CD se chamava long-play e tocava 33, 45 ou 78 rotações por minuto. Isso se a memória não me trai e esses números estão completamente errados. Sou do tempo da vitrola hi-fi e do som estereofônico. Tive aqueles disquinhos coloridos quando era garoto, mas vamos deixar esse mico de lado.

Onde quero chegar? Na tal crise da indústria de discos. Falo como consumidor. Sou do tipo que gosta de ter o CD com capa, encarte, tudo direitinho. iPod só comprei há pouco tempo. Estou botando meus discos lá. Nada de LimeWire. E ainda me dou ao trabalho de copiar as capas. Quer dizer, tenho iPod pra poder carregar meus discos comigo. Não abro mão deles e me preocupam as tentativas das gravadoras de achar uma nova forma de vender música. Estive em Nova York quando a Tower Records queimava seus estoques para cerrar as portas de vez. Foi triste. Saí da loja abalado, sem conseguir comprar nada. Para sobreviver, as lojas menores vendem músicas para você gravar direto no MP3. O disco está lá na estante pros velhos como eu.

Quando apareceram as primeiras máquinas de foto digital, não reagi tanto. Aqui em casa temos pilhas de fotos em caixas de papelão. Fazem parte daquele tipo de coisa que a gente guarda no fundo de um armário e que só de pensar em procurar já dá um cansaço. Minhas fotos digitais eu vejo e revejo com muito mais freqüência na tela do computador. Já transferi algumas para o iPod também. Mas com música é diferente. Minhas filhas não têm esse apego que tenho ao CD. São dessa geração que compra uma música e se dá por satisfeita. Para que perder tempo ouvindo um disco inteiro se você pode comprar a melhor faixa da banda? Eles têm lá suas razões. Mas eu sou apegado. (...)

Agora que todos dizem que o CD está com os dias contados, eu, que ainda guardo meus LPs, conclamo a todos que resistam. Cavaremos trincheiras de onde resistiremos a esse avanço cruel do progresso “que ergue e destrói coisas belas”! (Tenho isso num LP.). Os mais conservadores irão dizer que já comprei um iPod, que já me adaptei à câmera digital, que os traí. Têm lá suas razões. Mas quando essa tsunami passar e as águas baixarem, vocês vão me achar agarrado aos meus velhos CDs e LPs, de onde jamais arredarei pé.

A Tentação de Santo Antônio

Códigos

Dona Paulina ensinou à sua filha Rosário que cada ponto do rosto onde colocasse uma pinta tinha um significado. Na face, sobre o lábio, num canto da boca, no queixo, na testa... A pinta, bem interpretada, mostrava quem era a moça, e o que ela queria, e o que esperava de um pretendente. O homem que se aproximasse de uma moça com uma pinta – numa recepção na corte ou numa casa de chá – já sabia muito sobre ela, antes mesmo de abordá-la, só pela localização da pinta. A três metros de distância, o homem já sabia o que o esperava. A pinta era um código, um aviso – ou um desafio.

Anos depois, dona Rosário ensinou à neta Margarida que a maneira de usar um leque dizia tudo sobre uma mulher. Como segurá-lo, como abri-lo, sua posição em relação ao rosto ou ao colo, como abaná-lo, com que velocidade, com que olhar... Só pelos movimentos do leque uma mulher desfraldava sua biografia, sua personalidade e até seus segredos num salão, e quem a tirasse para dançar já sabia quais eram as suas perspectivas, e os seus riscos, e o seu futuro.

Muitos anos depois, a Bel explicou para sua bisavó Margarida que a fatia de pizza impressa na sua camiseta com “Me come” escrito em cima não queria dizer nada, mas que algumas de suas amigas usavam a camiseta sem a fatia de pizza.

Dois e Dois: Quatro

Como dois e dois são quatro
Sei que a vida vale a pena
Embora o pão seja caro
E a liberdade pequena

Como teus olhos são claros
E a tua pele, morena
como é azul o oceano
E a lagoa, serena

Como um tempo de alegria
Por trás do terror me acena
E a noite carrega o dia
No seu colo de açucena

- Sei que dois e dois são quatro
sei que a vida vale a pena
mesmo que o pão seja caro
e a liberdade pequena.

High Fidelity

“Have you got any soul?" a woman asks the next afternoon. That depends, I feel like saying; some days yes, some days no. A few days ago I was right out; now I've got loads, too much, more than I can handle. I wish I could spread it a bit more evenly, I want to tell her, get a better balance, but I can't seem to get it sorted. I can see she wouldn't be interested in my internal stock control problems though, so I simply point to where I keep the soul I have, right by the exit, just next to the blues.”

Legítima Defesa

Se o senhor conhecesse a Eunice, na certa me daria razão. Sempre sorrindo, sempre disposta ao amor da forma que eu bem quisesse (e olhe que eram umas formas bem estrambóticas), sempre com as mãos cheias de perdão, sempre com aqueles olhinhos de gueixa, sempre pronta a me dar o dobro do que eu nunca mereci. Sabe, doutor, tem mulher que só morrendo.

Elogio à Solidão

Houve um tempo em que eu sofria pra burro. Sofria por amor, sofria por falta de dinheiro, sofria porque tinha namorado, sofria porque não tinha namorado, sofria porque não tinha filhos, sofria porque tinha. Eu era uma ilha cercada por sofrimento de todos os lados. Minha vida era uma desgraceira só. Passei quinze anos deitada num divã pra aprender a ser feliz em meio à desgraceira. Funcionou. Eu me tornei uma pessoa alegrinha e esperançosa, mas a desgraceira continuava lá. Pelo menos era isso que eu pensava.

Esse reveillon eu passei sozinha na minha casa, pelo terceiro ano seguido. De pijaminha, vendo televisão, jogando no computador, ouvindo minhas músicas, comendo minhas comidinhas, bebendo uma (uma mesmo) cervejinha, comendo batata frita de pacote sabor cebola, que eu amo. Enfim, o reveillon dos meus sonhos. E o engraçado é que eu demorei quase sessenta anos pra ter coragem de pedir: pessoas, sumam da minha frente, quero passar o reveillon sozinha. I want to be alone, como disse a diva hollywoodiana.

Desde que me entendo por gente eu adoro ficar sozinha. No meu aniversário, ou no Natal, se tivesse coragem de pedir o presente que mais queria, eu diria: ficar sozinha. Parece que só quando eu estava só eu era verdadeiramente eu, verdadeiramente feliz. O problema é que isso nunca acontecia. Onde já se viu deixar uma criança sozinha? Onde já se viu deixar uma adolescente sozinha? Onde já se viu deixar minha mulher sozinha? Onde já se viu deixar mamãe sozinha? Onde já se viu deixar minha filha sozinha? Onde já se viu deixar vovó sozinha? É pedir muito?

Hoje eu tenho certeza de que, excluindo o sofrimento físico, 99% do meu sofrer tinha essa origem: eu não conseguia ficar sozinha. Casei pra ficar sozinha, separei pra ficar sozinha, e por aí vai…

Até que eu comecei a lançar mão de recursos pouco ortodoxos pra conseguir meus objetivos, tais como inventar crises homéricas. Funcionava. Ao me verem na lama, em andrajos, sofrendo feito um cão sarnento, as pessoas fugiam apavoradas. Bingo! Eu estava sozinha e poderia passar o reveillon na minha casa, de pijama, vendo televisão, jogando no computador, bebendo cerveja e comendo batata frita de pacote. Sabor cebola.

O problema é que eu fingia tão completamente que chegava a fingir que é dor… e acabava ficando MESMO numa baita crise. Terminava a noite pensando se era melhor tomar veneno de rato ou pular da janela pra acabar logo uma angústia que mal cabia no meu peito. Angústia que não existia no começo da história, perceberam?

Não ria. Você também deve se embananar com um monte de coisas que eu tiro de letra. É assim a vida.
Portanto, da próxima vez que você vir uma pessoa muito problemática, angustiada, se torturando com problemas que não existem, pense na possibilidade de ela estar querendo um pouco de solidão.

Acredite, nem sempre é fácil pedir aquilo que precisamos pra ser feliz.
E tem gente que só sabe ser feliz escondido. Respeite isso.

Rondó

Luísa julgava impossível terminar seu caso com Mário. Um dia, tenra como um pintinho saído da casca, chamou Mário à sua casa e pediu que não a procurasse mais. Ele relutou, mas foi. Ela nem chorou. Abriu a bolsa, apanhou a agenda e anotou o único compromisso para o próximo fim de semana: ser feliz.

Luísa julgava impossível terminar seu caso com Mário. Sofria da síndrome do fracasso prévio, já tentara mil vezes e nunca havia conseguido. Um dia, tenra como um pintinho saído da casca, chamou Mário à sua casa e pediu que não a procurasse mais. Ele relutou, mas foi. Ela nem chorou. Abriu a bolsa, apanhou a agenda e anotou o único compromisso para o próximo fim de semana: ser feliz.

Luísa julgava impossível terminar seu caso com Mário. Sofria da síndrome do fracasso prévio, já tentara mil vezes e nunca havia conseguido. Aquele amor mais parecia um câncer ou vício que não se cura. Ela esperava que um milagre acontecesse. Um dia, tenra como um pintinho saído da casca, chamou Mário à sua casa e pediu que não a procurasse mais. Antes, porém, sentou no colo e falou que talvez ainda valesse a pena tentar. Mário não disse palavra. Ela fez pé firme e pediu que ele fosse embora de uma vez. Ele relutou, mas foi. Ela nem chorou. Fez um café, sentou-se na sala e acendeu um cigarro. Abriu a bolsa, apanhou a agenda e anotou o único compromisso para o próximo fim de semana: ser feliz.

Luísa julgava impossível terminar seu caso com Mário. Sofria da síndrome do fracasso prévio. Já tentara mil vezes e nunca havia conseguido. Estavam juntos há mais de oito anos, mas Mário só prometia casamento quando bebia além da conta. Aquele amor mais parecia um câncer ou vício que não se cura. Ela esperava que um milagre acontecesse. Um dia, tenra como um pintinho saído da casca, chamou Mário à sua casa e pediu que não a procurasse mais. Antes, porém, sentou no colo e falou que talvez ainda valesse a pena tentar. Mário não disse palavra. Nisso tocou o telefone. Era a mulher de Mário dizendo que hoje era o último dia para pagar o Credicard. Mário pediu dinheiro emprestado a Luísa e foi entregar à mulher que estava esperando lá embaixo. Com o talão de cheques aberto sobre a mesa, Luísa disse olhando fundo nos seus olhos: você não tem dó de mim? Mais do que você pensa, ele respondeu. Tava na cara que aquilo era frase feita, ele nunca quis mudar a situação. Ela fez pé fIrme e pediu que ele fosse embora de uma vez. Ele relutou. mas foi. Ela nem chorou. E eu ainda lhe paguei o Credicard. Fez café, sentou-se na sala e acendeu um cigarro. Abriu a bolsa, apanhou a agenda e anotou o único compromisso para o próximo fim de semana: ser feliz.

Luísa julgava impossível terminar seu caso com Mário. Sofria da síndrome do fracasso prévio, já tentara mil vezes e nunca havia conseguido. Estavam juntos há mais de oito anos, mas Mário só prometia casamento quando bebia além da conta. No começo foi um romance muito apaixonado. Acreditavam que haviam nascido um para o outro. Hoje, aquele amor mais parecia um câncer ou vício que não se cura. Ela esperava que um milagre acontecesse. Um dia, tenra como um pintinho saído da casca, chamou Mário à sua casa e pediu que não a procurasse mais. Antes, porém, sentou no colo e falou que talvez ainda valesse a pena tentar. Mário não disse palavra. Nisso tocou o telefone. Era a mulher de Mário dizendo que hoje era o último dia para pagar o Credicard. Mário pediu dinheiro emprestado a Luísa e foi entregar à mulher que estava esperando lá embaixo. Com o talão de cheques aberto sobre a mesa, Luísa disse olhando fundo nos seus olhos: você não tem dó de mim? Mais do que você pensa, ele respondeu. Tava na cara que aquilo era frase feita, ele nunca quis mudar a situação. Ela fez pé firme e pediu que ele fosse embora de uma vez. Não sei se se fez de surdo ou de bobo, mas sugeriu que fossem comprar cerveja pra lavar a serpentina. Luísa disse que não estava a fim de cerveja porcaria nenhuma e que não queria prolongar aquele inferno por mais nenhum minuto. Ele relutou, mas foi. Ela nem chorou. E eu ainda lhe paguei o Credicard. Fez café, sentou-se na sala e acendeu um cigarro. Abriu a bolsa, apanhou a agenda e anotou o único compromisso para o próximo fim de semana: ser feliz.

Meu nome é Luísa, tenho trinta e sete anos e sempre julguei impossível terminar meu caso com Mário. Passei a sofrer a síndrome do fracasso prévio, já tentara mil vezes e nunca havia conseguido. Estávamos juntos há mais de oito anos, mas Mário só prometia casamento quando bebia além da conta. Sóbrio, tinha sempre um punhado de razões: o filho, os cachorros, a casa, a mulher, o papagaio, a mãe doente, a grana. No começo foi um romance muito apaixonado. Acreditávamos que havíamos nascido um para o outro. Hoje, aquele amor mais parecia um câncer ou vício que não se cura. Sempre esperei que um milagre acontecesse. Um dia, tenra como um pintinho saído da casca, chamei Mário à minha casa e pedi que não me procurasse mais. Antes, porém, sentei no colo e falei que talvez ainda valesse a pena tentar. Mário não disse palavra. Depois riu: você já me falou isto mil vezes. Nisso tocou o telefone. Era a mulher dele dizendo que hoje era o último dia para pagar o Credicard. Pois ele teve a cara de pau de me pedir dinheiro emprestado e levar à mulher que estava esperando lá embaixo. Quando perguntei: e nós? E a nossa situação? Ele me disse: hoje é o último dia pra pagar o Credicard e você quer que eu pense na nossa situação? Ao subir, me encontrou feito estátua na sala de jantar. Olhei fundo nos seus olhos e perguntei: você não tem dó de mim? Mais do que você pensa, ele respondeu. Tava na cara que aquilo era frase feita, Mário nunca quis mudar a situação. Fiz pé firme e pedi que ele fosse embora de uma vez. Não sei se se fez de surdo ou de bobo, mas sugeriu que fôssemos comprar cerveja pra lavar a serpentina. Disse-lhe que não estava a fim de cerveja porcaria nenhuma e que não queria prolongar aquele inferno por mais nenhum minuto. Ele relutou, mas foi. Eu nem chorei. E eu ainda lhe paguei o Credicard. Depois que ele saiu, fiz café, sentei-me na sala e acendi um cigarro. Nunca mais fui feliz.

Happy End

O meu amor e eu
nascemos um para o outro

Agora só falta quem nos apresente

Morte ao Leiteiro

A Cyro Novaes. *

Há pouco leite no país
é preciso entregá-lo cedo.
Há muita sede no país,
é preciso entregá-lo cedo.
Há no país uma legenda,
que ladrão se mata com tiro.

Então o moço que é leiteiro
de madrugada com sua lata
sai correndo e distribuindo
leite bom para gente ruim.
Sua lata, suas garrafas,
seus sapatos de borracha
vão dizendo aos homens no sono
que alguém acordou cedinho
e veio do último subúrbio
trazer o leite mais frio
e mais alvo da melhor vaca
para todos criarem força
na luta brava da cidade.

Na mão a garrafa branca
não tem tempo de dizer
as coisas que lhe atribuo
nem o moço leiteiro ignaro.
morador na Rua Namur,
empregado no entreposto
Com 21 anos de idade,
sabe lá o que seja impulso
de humana compreensão.
E já que tem pressa, o corpo
vai deixando à beira das casas
uma pequena mercadoria.

E como a porta dos fundos
também escondesse gente
que aspira ao pouco de leite
disponível em nosso tempo,
avancemos por esse beco,
peguemos o corredor,
depositemos o litro...
Sem fazer barulho, é claro,
que barulho nada resolve.

Meu leiteiro tão sutil
de passo maneiro e leve,
antes desliza que marcha.
É certo que algum rumor
sempre se faz: passo errado,
vaso de flor no caminho,
cão latindo por princípio,
ou um gato quizilento.
E há sempre um senhor que acorda,
resmunga e torna a dormir.

Mas este entrou em pânico
(ladrões infestam o bairro),
não quis saber de mais nada.
O revólver da gaveta
saltou para sua mão.
Ladrão? se pega com tiro.
Os tiros na madrugada
liquidaram meu leiteiro.
Se era noivo, se era virgem,
se era alegre, se era bom,
não sei,
é tarde para saber.

Mas o homem perdeu o sono
de todo, e foge pra rua.
Meu Deus, matei um inocente.
Bala que mata gatuno
também serve pra furtar
a vida de nosso irmão.
Quem quiser que chame médico,
polícia não bota a mão
neste filho de meu pai.
Está salva a propriedade.
A noite geral prossegue,
a manhã custa a chegar,
mas o leiteiro
estatelado, ao relento,
perdeu a pressa que tinha.

Da garrafa estilhaçada.
no ladrilho já sereno
escorre uma coisa espessa
que é leite, sangue... não sei
Por entre objetos confusos,
mal redimidos da noite,
duas cores se procuram,
suavemente se tocam,
amorosamente se enlaçam,
formando um terceiro tom
a que chamamos aurora.

* Poema tirado de uma notícia de jornal sobre a morte de Cyro Novaes, rapaz de 19 anos, leiteiro, baleado após entregar suas garrafas de leite numa vizinhança de costume.

Bilhete

Se tu me amas, ama-me baixinho.

Não o grites de cima dos telhados
Deixa em paz os passarinhos

Deixa em paz a mim!

Se me queres,
enfim,
tem de ser bem devagarinho, Amada,
que a vida é breve, e o amor mais breve ainda.

No. 5