Houve um tempo em que eu sofria pra burro. Sofria por amor, sofria por falta de dinheiro, sofria porque tinha namorado, sofria porque não tinha namorado, sofria porque não tinha filhos, sofria porque tinha. Eu era uma ilha cercada por sofrimento de todos os lados. Minha vida era uma desgraceira só. Passei quinze anos deitada num divã pra aprender a ser feliz em meio à desgraceira. Funcionou. Eu me tornei uma pessoa alegrinha e esperançosa, mas a desgraceira continuava lá. Pelo menos era isso que eu pensava.
Esse reveillon eu passei sozinha na minha casa, pelo terceiro ano seguido. De pijaminha, vendo televisão, jogando no computador, ouvindo minhas músicas, comendo minhas comidinhas, bebendo uma (uma mesmo) cervejinha, comendo batata frita de pacote sabor cebola, que eu amo. Enfim, o reveillon dos meus sonhos. E o engraçado é que eu demorei quase sessenta anos pra ter coragem de pedir: pessoas, sumam da minha frente, quero passar o reveillon sozinha. I want to be alone, como disse a diva hollywoodiana.
Desde que me entendo por gente eu adoro ficar sozinha. No meu aniversário, ou no Natal, se tivesse coragem de pedir o presente que mais queria, eu diria: ficar sozinha. Parece que só quando eu estava só eu era verdadeiramente eu, verdadeiramente feliz. O problema é que isso nunca acontecia. Onde já se viu deixar uma criança sozinha? Onde já se viu deixar uma adolescente sozinha? Onde já se viu deixar minha mulher sozinha? Onde já se viu deixar mamãe sozinha? Onde já se viu deixar minha filha sozinha? Onde já se viu deixar vovó sozinha? É pedir muito?
Hoje eu tenho certeza de que, excluindo o sofrimento físico, 99% do meu sofrer tinha essa origem: eu não conseguia ficar sozinha. Casei pra ficar sozinha, separei pra ficar sozinha, e por aí vai…
Até que eu comecei a lançar mão de recursos pouco ortodoxos pra conseguir meus objetivos, tais como inventar crises homéricas. Funcionava. Ao me verem na lama, em andrajos, sofrendo feito um cão sarnento, as pessoas fugiam apavoradas. Bingo! Eu estava sozinha e poderia passar o reveillon na minha casa, de pijama, vendo televisão, jogando no computador, bebendo cerveja e comendo batata frita de pacote. Sabor cebola.
O problema é que eu fingia tão completamente que chegava a fingir que é dor… e acabava ficando MESMO numa baita crise. Terminava a noite pensando se era melhor tomar veneno de rato ou pular da janela pra acabar logo uma angústia que mal cabia no meu peito. Angústia que não existia no começo da história, perceberam?
Não ria. Você também deve se embananar com um monte de coisas que eu tiro de letra. É assim a vida.
Portanto, da próxima vez que você vir uma pessoa muito problemática, angustiada, se torturando com problemas que não existem, pense na possibilidade de ela estar querendo um pouco de solidão.
Acredite, nem sempre é fácil pedir aquilo que precisamos pra ser feliz.
E tem gente que só sabe ser feliz escondido. Respeite isso.