Toshitaro, com cinco anos à minha frente, me levava pela mão direita ao judô. Esquecia a condição de faixa preta e o 3º dan, me dava o lado direito na luta. Dava tudo. Sujeito espetacular, enorme no tatami e fora dele. Aprendi mais com Toshi de que com os três professores que já tive (...).
Agora, íntimos (...). Vinha à minha casa, ia à casa dele. Amigão. Unha e carne (...). Começava a compreender que eu me completava em Toshi. Tudo de meu. Uma chapa sem a opinião dele... Passeio sem Toshi, a mesma coisa. Teatro também, sakê também, judô também. Tudo valendo nada (...).
Se vou à varanda do laboratório de revelação. Cada vez que preciso de alguma coisa. Cada vez que me faltam fósforos. É ela que vem. Que me procura à toa, por banalidades. Chega -se, tira-me o cigarro da boca, acende-o e recoloca-o na minha boca. Numa insolência que dá vontade de bater. E quando olho para aquela janela... São os seus olhos que estão me comendo, pedindo (...).
O diabo é que vivo agitado, as idéias coladas nela, nos braços, nas ancas, não sei. Impossível desguiar. Olhei para aqueles cabelos, dei com o corpo inteiriço. Desejei. Sonhei. Com os olhos de Fujie, sonhei, com a boca, com Fujie inteira [...]. Quando em quando, ninguém nos vendo, leva minhas mãos a seus peitos para sentir o calor. Beijei o seu retrato que eu havia fotografado e chorei que nem moleque! (...).
Lá fora, a chuva fazia festa no telhado. No quarto algumas moscas numa agitação irritante. Eu só sabia que estava fazendo uma canalhice. Ia chover mais, ia chover muito. Era chuva que Deus mandava. Eu fazia um esforço para me agarrar à idéia de que não era culpado. Culpada era a avenida, era a noite, era a chuva era qualquer coisa (...). Chuva lá fora, zoeira de moscas atribuladas. Dentro do quarto, amor.
Eu nunca havia sentido nada pelas coisas do Japão. Levou-me a beber saquê nos restaurantes da Liberdade, mostrou-me cinema. Depois gravuras depois pinturas, tatuagens. Fui atingindo a dimensão mística de todas aquelas belezas. Percebi, por exemplo, que naquelas mulheres passivas e tímidas e afáveis, mexendo-se dentro de quimonos enormes quase aos pulinhos, e que o cinema me trazia entre neve e casas do Japão, morava um mundo diferente de sensualidade. Poesia naquelas coisas.
Gostei. Como quem descobre uma maravilha, gostei. (...) Aquilo, sim, meu Deus era um mundo.