quarta-feira, 25 de novembro de 2009

Leão-Marinho

Nunca gostei de peixes. Acho peixe um bicho muito triste. Nos olhos redondos e marejados dos peixes vê-se o desespero dos que veem o mundo sem poder tocá-lo.
Dentre todos os peixes tristes, o leão-marinho é o mais triste deles. Talvez esperasse mais da vida, talvez quisesse ser leão de verdade, correr pelas florestas, rugir, brigar por mulher, mas o pobre carrega a sina de ser essa sereia gorda e rastejante sem majestade alguma, condenado a arrastar sua vergonha e gordura no cimento até o fim dos dias. Exatamente como Celso, o meu Celso-peixe que também se arrasta pelo chão e não sobrevive sem a água-firma, a água-esposa, a água-lar-doce-lar, a água-filho, a água-apartamento-na-praia. Se põe o nariz pra fora, fica roxo e tem espasmos. Tudo que o desabita lhe mete medo.
O peixe não fuma, bebe pouco e detesta sair de casa. Duas vezes por ano vamos à praia onde temos um apartamento com vista para o prédio ao lado, mas nem na praia o peixe se diverte. Peixe-Celso detesta sol, sal, caipirinha, água no ouvido, areia no vão dos dedos. O peixe morre de medo de morrer afogado. No minúsculo apartamento, a umidade sobe pelas paredes e o cheiro de mofo é insuportável.
À tarde, de banho tomado, vamos a pé até o aquário, onde Celso mostra ao filho as muitas variedades da espécie. O menino está cansado de saber, mas aguenta calado. Filho de Celso, Celsinho é.

Em frente ao leão-marinho, Celso tem uma vertigem. Deixa o menino comigo e sai correndo em direção à rua. “Te espero lá fora”, ele diz numa voz sumida de peixe à beira do desmaio. Os iguais se reconhecem, penso calada.
Em São Paulo, moramos num aquário confortável onde não falta nada: plantas aquáticas, pedrinhas coloridas, miniatura de navio, escafandrista, piano de cauda, geladeira, empregada, carro zero na garagem. Vivemos todos submersos e tudo correrá em paz até o dia em que subirei pelas paredes miando desesperada com as garras à mostra. Ao me ver assim tão louca, o peixe se encolherá num canto com os olhos esbugalhados e se perguntará na língua morta dos peixes: “o que será de mim?”. Do telhado avistarei a paisagem e escolherei o caminho mais bonito a seguir.