Na calada da noite
Eu choro e me desespero.
Sofrimento amadurece?
Acho que prefiro morrer verde.
terça-feira, 31 de janeiro de 2012
domingo, 22 de janeiro de 2012
O Traidor
O carioca que sai do Rio vai ser sempre apontado como um traidor. É mesmo um desrespeito abandonar tanta beleza, uma ousadia achar que pode haver coisa melhor. Se mudar do Rio pra São Paulo então é caso de pena de morte. É pior que mudar de time, pior que mudar de nome. Falsidade ideológica, daí pra baixo. O primeiro dia que um carioca se sente realmente feliz em São Paulo bate uma culpa sincera. E os amigos que ficaram não ajudam: Como você pode? Logo você que amava a praia, justo você que abria a janela e ficava feliz até de estar parada no trânsito da Lagoa? Até tu?
E desandam a falar da feiúra, da grandeza, dos tons de cinza, dos engarrafamentos, das enchentes, da frieza paulistana. Como é que você foi largar isso aqui? – aponta o carioca para qualquer direção sabendo que sempre vai ter uma montanha ridiculamente bem posicionada, recortando um céu azul e uma beira do mar por perto. Covardia. E é tão difícil entender como explicar.
Mas tento. Amigos: se tem alguém que sabe como o Rio é maravilhoso é quem foi embora. Essa praia dói mais ainda quando não se tem. Voltar pra São Paulo segunda de manhã e deixar o Rio amanhecendo pra trás é de uma violência que eu nem te conto. Todas as fotos de pôr-do-sol no Arpoador me magoam a ponto de querer sair do Instagram. E cada sábado de verão que alguém te chama para uma praia “pertinho, só 3 horas de carro”, cada “vista linda” que o paulista vai te mostrar na maior boa-vontade e que se revela apenas uma visão panorâmica para um monte de prédios – juro: a vontade de chorar não é metafórica.
“Então volta”, seus amigos falam. Fica, insistem: aqui é gostoso, quentinho, seguro. É mesmo tentador. O Rio é um colo de mãe. E os argumentos cariocas pra não se sair do Rio são os mesmos que a sua mãe usou pra você não sair de casa. Porque ir embora, se aqui é tão bom? Você tem tudo o que precisa, casa, comida, roupa lavada. Você não gosta mais da gente?
Sim, Rio, ainda amo você profundamente. Não é você, sou eu. A gente ama os pais mas um dia precisa sair de casa. Eu me mudei de um apartamento gigantesco com vista pro pão de açúcar pra morar num quarto e sala sem elevador com vista para uma parede. Sim, eu amava meus pais, mas eu precisava ter o meu cantinho. São Paulo parece grande, mas se você olhar de perto é só o cantinho de muita gente.
É a chance de começar uma nova história que conquista quem vem pra cá. O Rio já está pronto. São Paulo tem cheiro de cimento, barulho de prédio em construção. De um lado uma montanha de 5 bilhões de anos, de outro um terreno escrito: em breve. É o conforto do estabelecido versus a adrenalina de todas as possibilidades. Tem quem se acanhe diante de tanto desconhecido. Mas pra mim, que aprendi a correr antes de engatinhar, São Paulo é um alívio.
Claro que dá medo sim, dá saudade, sai caro. Tem dias que dá vontade de voltar correndo pra casa da mamãe. E eu volto. De preferência no fim de semana, cheia de saudade. Aí, até as piadas que você não achava graça ficam engraçadíssimas. Quando eu volto pro Rio, acho tudo divertido e bucólico. O serviço ruim não me atrapalha, a impontualidade fica charmosa, as eternas promessas de “passa lá em casa” tem o efeito de um abraço carinhoso.
Mas minha saudade não é o suficiente para os cariocas. “Porque você gosta tanto de lá?”, me perguntam, inconformados. Como toda mãe, o Rio é passional e exagerado. Ele te dá muito, por isso mesmo cobra uma fidelidade polarizada: ou você gosta de mim ou gosta de São Paulo. O Rio é uma mulher deslumbrante que, por isso mesmo, lida muito mal com rejeição.
São Paulo é mais humilde, está acostumada a ser mau tratada. É feia, sim, mas tem espelho em casa. Sabe que não pode sair botando banca. Ela te pega aos poucos, vai comendo pelas beiradas. Conquista primeiro o seu conforto, depois sua simpatia. Quando você se dá conta, não sabe mais viver sem ela.
São Paulo aceita tranquilamente ser “a outra” até porque é a outra cidade de quase todo mundo que mora nela. Aqui, como não podia deixar de ser, aprendi os tons de cinza: não existe só feio e bonito, perto ou longe, verão ou inverno. Todas as estações do ano podem acontecer em um dia e isso dá uma sensação de liberdade danada. Apesar da dureza aparente, São Paulo é muito flexivel.
“Que palhaçada! Liberdade é correr na praia de manhã”, seus amigos vão dizer – e estão certos também. A natureza do Rio te dá o horizonte como limite. Mas a sombra e água fresca causavam em mim certa preguiça de ir até lá. O Rio é uma mãe manipuladora, que manda e desmanda e você nem percebe porque é gostoso receber as ordens dela. “Vá a praia, sorria, coma direito, fica mais um pouquinho, descansa.”
São Paulo não é mãe de ninguém. Nem vem pedir colo que aqui não tem, se vira malandro. O que é que você vai fazer com essa tal liberdade?, já perguntava o pagode paulistano anos atrás. São Paulo impõe muito pouco. Ela vai ser interessante, se você for. É uma relação de parceria, tá longe de ser amor incondicional. No Rio, basta estar ali. Aqui não. Não se vive EM São Paulo, mas COM São Paulo.
Se isto é melhor que aquilo, não dá pra dizer, nem precisa. Fui muito feliz com o Rio mandando em mim por 27 anos. Eu sentia tanta obrigação de ir a praia, que de vez em quando torcia pra estar chovendo só pra eu poder fazer qualquer outra coisa. Só um carioca pode entender esse sentimento.
O Rio é uma linda história com começo, meio e fim e todos viveram felizes para sempre. São Paulo é assunto pra vida toda, é futuro que não acaba mais, final aberto. Se nem o meu GPS consegue dar conta de tanta atualização e novidade, imagina eu.
Quando dá preguiça de ir tão pra frente, eu voo pro Flamengo, pra vista pro mar, pra tudo que eu já conheço. Depois de uma semana volto correndo com saudade do meu anonimato, saudade de ser de fora. Taí mais uma coisa coisa boa que só um exilado pode sentir: o prazer de dizer numa mesa “sim, eu sou carioca” com certo ar de superioridade, sabendo que vai atrair algumas antipatias, mas certamente toda a atenção do mundo.
O carioca se acha sim, e se acha porque é. É um luxo ser do Rio. Nós somos uma grife que eu, pelo menos, uso sem parcimônia, em estampas bem grandes. E o paulista, generoso que só, abre espaço pra toda essa prepotência e gosta da gente. Um paulista vê muito mais graça num carioca do que um carioca vê em outro carioca.
Mas não é esse textinho bobo que vai fazer meus amigos mudarem de ideia e me absolverem. “Quem diria, até a Patricia se vendeu,” eles vão dizer. Carioca não se enrola nem se convence, eu sei bem. Por isso, se você sair do Rio pra morar em São Paulo, já vai sabendo: você será sempre considerado um traidor. Mas, talvez pra aliviar a culpa que ainda sinto, peço clemência ao júri: traidor não, vai. No máximo me deixa ser condenada por bigamia: sou capaz de ter dois amores profundos ao mesmo tempo.
E desandam a falar da feiúra, da grandeza, dos tons de cinza, dos engarrafamentos, das enchentes, da frieza paulistana. Como é que você foi largar isso aqui? – aponta o carioca para qualquer direção sabendo que sempre vai ter uma montanha ridiculamente bem posicionada, recortando um céu azul e uma beira do mar por perto. Covardia. E é tão difícil entender como explicar.
Mas tento. Amigos: se tem alguém que sabe como o Rio é maravilhoso é quem foi embora. Essa praia dói mais ainda quando não se tem. Voltar pra São Paulo segunda de manhã e deixar o Rio amanhecendo pra trás é de uma violência que eu nem te conto. Todas as fotos de pôr-do-sol no Arpoador me magoam a ponto de querer sair do Instagram. E cada sábado de verão que alguém te chama para uma praia “pertinho, só 3 horas de carro”, cada “vista linda” que o paulista vai te mostrar na maior boa-vontade e que se revela apenas uma visão panorâmica para um monte de prédios – juro: a vontade de chorar não é metafórica.
“Então volta”, seus amigos falam. Fica, insistem: aqui é gostoso, quentinho, seguro. É mesmo tentador. O Rio é um colo de mãe. E os argumentos cariocas pra não se sair do Rio são os mesmos que a sua mãe usou pra você não sair de casa. Porque ir embora, se aqui é tão bom? Você tem tudo o que precisa, casa, comida, roupa lavada. Você não gosta mais da gente?
Sim, Rio, ainda amo você profundamente. Não é você, sou eu. A gente ama os pais mas um dia precisa sair de casa. Eu me mudei de um apartamento gigantesco com vista pro pão de açúcar pra morar num quarto e sala sem elevador com vista para uma parede. Sim, eu amava meus pais, mas eu precisava ter o meu cantinho. São Paulo parece grande, mas se você olhar de perto é só o cantinho de muita gente.
É a chance de começar uma nova história que conquista quem vem pra cá. O Rio já está pronto. São Paulo tem cheiro de cimento, barulho de prédio em construção. De um lado uma montanha de 5 bilhões de anos, de outro um terreno escrito: em breve. É o conforto do estabelecido versus a adrenalina de todas as possibilidades. Tem quem se acanhe diante de tanto desconhecido. Mas pra mim, que aprendi a correr antes de engatinhar, São Paulo é um alívio.
Claro que dá medo sim, dá saudade, sai caro. Tem dias que dá vontade de voltar correndo pra casa da mamãe. E eu volto. De preferência no fim de semana, cheia de saudade. Aí, até as piadas que você não achava graça ficam engraçadíssimas. Quando eu volto pro Rio, acho tudo divertido e bucólico. O serviço ruim não me atrapalha, a impontualidade fica charmosa, as eternas promessas de “passa lá em casa” tem o efeito de um abraço carinhoso.
Mas minha saudade não é o suficiente para os cariocas. “Porque você gosta tanto de lá?”, me perguntam, inconformados. Como toda mãe, o Rio é passional e exagerado. Ele te dá muito, por isso mesmo cobra uma fidelidade polarizada: ou você gosta de mim ou gosta de São Paulo. O Rio é uma mulher deslumbrante que, por isso mesmo, lida muito mal com rejeição.
São Paulo é mais humilde, está acostumada a ser mau tratada. É feia, sim, mas tem espelho em casa. Sabe que não pode sair botando banca. Ela te pega aos poucos, vai comendo pelas beiradas. Conquista primeiro o seu conforto, depois sua simpatia. Quando você se dá conta, não sabe mais viver sem ela.
São Paulo aceita tranquilamente ser “a outra” até porque é a outra cidade de quase todo mundo que mora nela. Aqui, como não podia deixar de ser, aprendi os tons de cinza: não existe só feio e bonito, perto ou longe, verão ou inverno. Todas as estações do ano podem acontecer em um dia e isso dá uma sensação de liberdade danada. Apesar da dureza aparente, São Paulo é muito flexivel.
“Que palhaçada! Liberdade é correr na praia de manhã”, seus amigos vão dizer – e estão certos também. A natureza do Rio te dá o horizonte como limite. Mas a sombra e água fresca causavam em mim certa preguiça de ir até lá. O Rio é uma mãe manipuladora, que manda e desmanda e você nem percebe porque é gostoso receber as ordens dela. “Vá a praia, sorria, coma direito, fica mais um pouquinho, descansa.”
São Paulo não é mãe de ninguém. Nem vem pedir colo que aqui não tem, se vira malandro. O que é que você vai fazer com essa tal liberdade?, já perguntava o pagode paulistano anos atrás. São Paulo impõe muito pouco. Ela vai ser interessante, se você for. É uma relação de parceria, tá longe de ser amor incondicional. No Rio, basta estar ali. Aqui não. Não se vive EM São Paulo, mas COM São Paulo.
Se isto é melhor que aquilo, não dá pra dizer, nem precisa. Fui muito feliz com o Rio mandando em mim por 27 anos. Eu sentia tanta obrigação de ir a praia, que de vez em quando torcia pra estar chovendo só pra eu poder fazer qualquer outra coisa. Só um carioca pode entender esse sentimento.
O Rio é uma linda história com começo, meio e fim e todos viveram felizes para sempre. São Paulo é assunto pra vida toda, é futuro que não acaba mais, final aberto. Se nem o meu GPS consegue dar conta de tanta atualização e novidade, imagina eu.
Quando dá preguiça de ir tão pra frente, eu voo pro Flamengo, pra vista pro mar, pra tudo que eu já conheço. Depois de uma semana volto correndo com saudade do meu anonimato, saudade de ser de fora. Taí mais uma coisa coisa boa que só um exilado pode sentir: o prazer de dizer numa mesa “sim, eu sou carioca” com certo ar de superioridade, sabendo que vai atrair algumas antipatias, mas certamente toda a atenção do mundo.
O carioca se acha sim, e se acha porque é. É um luxo ser do Rio. Nós somos uma grife que eu, pelo menos, uso sem parcimônia, em estampas bem grandes. E o paulista, generoso que só, abre espaço pra toda essa prepotência e gosta da gente. Um paulista vê muito mais graça num carioca do que um carioca vê em outro carioca.
Mas não é esse textinho bobo que vai fazer meus amigos mudarem de ideia e me absolverem. “Quem diria, até a Patricia se vendeu,” eles vão dizer. Carioca não se enrola nem se convence, eu sei bem. Por isso, se você sair do Rio pra morar em São Paulo, já vai sabendo: você será sempre considerado um traidor. Mas, talvez pra aliviar a culpa que ainda sinto, peço clemência ao júri: traidor não, vai. No máximo me deixa ser condenada por bigamia: sou capaz de ter dois amores profundos ao mesmo tempo.
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